Naquela noite ela decorou os livros. Decorou como a luz iluminava o cômodo. Decorou o azul. E decorou a forma que tinha quando ele estava alinhado em seus braços. Havia uma melodia de despedida ressoando silenciosamente ali e, por compreendê-la bem, ela tentava eternizar aquele momento em sua mente. Silenciosamente, contemplava tudo ao redor e registrava cada detalhe. Tinha um pouco de dificuldade em organizar os pensamentos, mas ela tentou se concentrar na sensação mais importante: a de sentir os braços dele ao redor do corpo dela e de tentar memorizar aquele abraço.
Como fazer um momento durar para
sempre? Como fazer a vida não seguir os seus caminhos? Não havia respostas,
mas, ainda assim, ela se questionava. Fazer indagações das quais não há soluções
demonstrava como aquele instante era único para ela. E ela preferiu não
compartilhar com ele. Desta vez, deixou que os pensamentos fossem mais
eloquentes do que a sua boca. Haviam tido uma grande conversa e talvez tudo o
que precisava ser dito já havia sido externado. As opiniões foram expostas e
ela compreendeu por qual caminho seguir, e seria o oposto ao que, de fato, ela
teria seguido por conta própria. Mas ela não iria machucar a história deles e
ela seria incapaz de causar qualquer tristeza a ele. Seguiria, portanto, o caminho
que, aparentemente, seria o mais indolor.
Ela o conhecera por total acaso e
quando realmente não tinha planos para tal tipo de aproximação, posto que estava
somente de passagem e não ficaria por muito tempo na cidade. Mas, em uma noite qualquer,
daquelas que você não espera que possa acontecer algo de relevante, ele passou
na frente dela e ela o notou de uma maneira que não notava alguém há muito tempo.
Ela, entretanto, não faria qualquer movimento na direção dele e ele jamais
saberia do olhar com que ela o envolveu se ele não tivesse vindo sentar ao lado
dela e iniciado uma conversa despretensiosa. Ou não.
E as conversas flutuaram leves,
em total contraposição à música alta e à movimentação do ambiente. E foram
fáceis. E divertidas. E depois de uma noite maravilhosa na companhia dele, quando
ela voltou ao quarto de hotel, viu seu travesseiro afundar com o peso de tantas
interrogações que perpassavam em sua cabeça. O que ela deveria fazer? Semear as
oportunidades e deixar-se envolver, apesar do pouco tempo disponível; ou encerrar
qualquer possibilidade, antes mesmo de começar? Viver o agora ou antecipar o futuro?
E a pergunta que realmente não a deixava dormir era: “Por que neste momento?” Ela
não entendia o porquê de uma sintonia, uma conexão tão incrível justamente
quando ela estava tão de passagem.
Acontece que, na bagagem que ela
trazia consigo, além de roupas, havia uma quantidade considerável de
experiências de vida, apesar de sua idade não tão avançada. Experiências que a
fizeram entender, durante seus percursos e percalços, que a felicidade mora em
pequenos momentos, e que quando eles lhe são proporcionados, não se deve recusá-los.
Eles nem sempre são abundantes e distribuídos por todos os dias de sua existência,
como normalmente se imagina e se deseja. A felicidade pode residir em momentos escassos
e disfarçados de trivialidades e lhe ser entregue em instantes breves e súbitos.
As doses de felicidade que a vida
nos proporciona residem exclusivamente no agora, e momentos que lhe trazem
alegria devem ser aproveitados. É tanto clichê quanto verdade que o minuto
seguinte não nos pertence e o amanhã não está ao nosso alcance. Podemos
imaginá-lo, planejá-lo, desejá-lo, mas não há controle sobre os seus rumos,
sobre o que permanecerá ou sobre o que jazerá. E, por ter consciência disso, quando
ela percebeu que ele era alguém que realmente lhe proporcionava momentos
felizes, e que ele lhe era tangível, residia no agora, ela só conseguiu desejar
que queria ali permanecer.
Mesmo consciente do pouco tempo, ela
quis tê-lo por tanto quanto fosse possível, afinal, nunca se sabe, de fato,
quanto tempo teremos para qualquer coisa. E quando ela o encontrava, ela se
sentia bem e feliz. A companhia dele era, para ela, leve, trazendo sorrisos ao
seu rosto e acalanto ao seu coração. Ela buscava, então, viver por completo aquelas
pequenas doses de felicidade que a vida estava lhe proporcionando e tentava,
sempre que possível, colocar tudo aquilo em um universo próprio, alheio a sua
partida iminente. Afinal, por que fazer diferente? Por que não saborear cada
gota? - Ela pensava - Por que acreditar que é melhor não degustar, pelo medo de
a garrafa acabar?
Ela seguiria tomando as ‘doses’
da companhia dele, aproveitando cada rodada que a vida fosse generosa em lhe
servir. Iria saborear a presença, o cheiro, o beijo, o abraço, os dedos
musicais, os olhos risonhos, os desenhos na pele, as conversas sem fim, a
indignação com o relógio sempre veloz, os sonhos de fama, a incredulidade de
descobrir os mesmos gostos e tantas similaridades, a curiosidade em desbravar
as histórias. Ela decidiu que cada dose - cada momento com ele - seria um mar
inteiro e, nele, se banharia por completo! Ela não queria fazer diferente porque
era claro para ela que, na vida, todo gole, do que quer que se esteja tomando,
pode ser o último. E dele, ela gostaria de degustar quantas rodadas fossem
possíveis.
Mas esse era o olhar dela sobre
os fatos. E ele não via na mesma maneira. Talvez a intensidade dela fosse
demais. Talvez ele tivesse menos experiências com frustrações e não estivesse disposto
a correr o risco. Talvez o copo simplesmente estivesse meio vazio, afinal,
diferente de como ela o enxergava. Mesmo com ela tê-lo por perto, depois
daquela conversa, naquela noite, após entender melhor com ele avaliava toda
aquela situação, ela preferiu seguir em direção oposta ao que havia
inicialmente imaginado, e rumaria em direção ao encerramento de tudo.
Naquela noite, então, ela
percebeu que a despedida, outrora mais adiante, já se postava ali na sua
frente. E era, para ela, muito difícil internalizar esse pensamento,
principalmente com ele deitado por sobre o colo dela. E, enquanto se fazia
perguntas sem respostas, enquanto tentava ignorar a vontade de ficar ali envolta
nos braços dele por tempo indeterminado, a canção da despedida ressoou enfática
em seus ouvidos. E ela se conscientizava do novo caminho que seguiria desde já.
Queria que tivesse sido diferente, mas simplesmente não era.
Claro que ela ficou triste. Mas
ela não deixaria esse sentimento se sobressair. Não enquanto havia tantas boas
lembranças partilhadas ao lado dele e que ela gostaria de preservar. As
conversas, os beijos, as músicas, tantos momentos para guardar. E tinham aqueles
olhos que sorriam... como eles a encantaram e ela sabia que, deles, jamais se
esqueceria! Ele e ela se afastaram, afinal. Ela ainda passou alguns dias na
cidade, mas o encanto da história vivida por eles habitava nas conversas
passadas e não mais presentes. Era complicado, para ela, saber que dividiam o
mesmo perímetro do mapa, mas que ela não podia envolvê-lo em seus braços. Logo mais,
isto não seria mais possível, mesmo que ambos quisessem.
A bagagem dela estava maior
agora. Recolheu tudo para dentro da mala e para dentro de si. Reorganizou os
pensamentos, os sentimentos, e seguiu. Do aeroporto para o avião. Do avião para
além mar, ultrapassando as fronteiras que os uniram. Mas ele ainda estava com
ela. E ele permaneceria ali, como parte de sua história, pelos motivos que ela
saberia elencar. As perguntas que ela fez naquela noite continuaram sem
respostas, porque a vida é assim, simplesmente assim. Nem tudo tem resposta,
nem tudo nos pertence, só temos o agora. Por fim, ela seguiu seu rumo, carregando
consigo os livros, a iluminação e o azul...